Sob as mãos de Dionísio

 

Sob as mãos de Dionísio

Abriram-se minhas cortinas velhas, empoeiradas, rasgadas como o véu de minha avó perneta! Saltou-me às ventas, um riso torto, um sinistro escapado em cada pupila, dilatadas,quando refugiei-me neste instante breve, para escrever algumas palavras soltas para esta libérrima ocasião.

Falo sobre mim mesmo, assim, como um moleque, inocente nos seus dez anos, que observa com uma abrupta adolescência nos olhos, a prima tomar banho em cantata matinal. Falo ainda, e unicamente, embora de forma literária contraditória, sobre o meu palco. Minhas palavras são “Poética”, versos libertinos, embora vez ou outra, me fale melhor o silêncio.

Escrever sobre teatro é um ditado do sagrado. Linhas tortas e caminho incerto. Perene como o vento que sopra para o sul da capela, na missa de sétimo dia de uma menina que morreu virgem, com dores de amor. É encontrar-se perdidamente incerto, perene embora fútil, alimento embora inútil, como um bode branco de língua acre, entre as pernas de Téspis, sob as mãos de Dionísio.

“(…) Não há um motivo certo que leve a ler, a buscar saber sobre teatro. Na verdade nem mesmo sei quando foi que comecei a ler tanto. O que posso lhe dizer senhor, é que desesperadamente eu preciso disto, é como se não pudesse parar de ler, de buscá-lo. Na verdade não o posso, pois já me perdi por estes caminhos tentando achar respostas. Ler sobre teatro me contenta e me aflige, me maltrata e me consola, me consome e alimenta. Buscar entender o teatro, meu senhor, é a minha vida. Mesmo que isso me faça compreender cada vez menos sobre mim mesmo. O que espero além, é que um dia, quem sabe, eu me encontre por estas páginas. Seja como ator, seja como personagem…”

Mineiros 17.06.1997

A verdade é que nunca pude ler o que escrevia sobre teatro. Minhas palavras sempre são tomadas por certo pessimismo, uma aparente e poética angustia, como aquela que nos salta ao peito quando andamos sobre ruínas de passado triunfante. Esta é a verdade, antes de rascunhar meus medos sobre as páginas em branco, caminho em lágrimas por entre as ruínas do que nos sobra dos palcos de outrora.

Ainda tenho em mim, as mesmas impressões que tive ao subir a primeira vez no palco. Estas mesmas impressões que aprendi serem sementes de toda ação criadora. O sagrado, o etéreo, o magnífico permeiam pelas esquinas de minhas veias, desde então. Ainda hoje, depois de tantos anos, mesmo depois de ter aprendido tantas futilidades sobre “ a arte de representar”, mesmos depois de terem me obrigado a perder minhas meninices numa coxia e outra, mesmo depois de terem me ensinado teorias que apenas serviam para justificar outras teorias de teorias, depois de terem tirado de mim muitas vezes o prazer de ler sobre teatro, ainda resta em mim o sagrado, o sagrado!

Espero escrever a cada um de vocês, que vez ou outra me permitirem rascunhar meus medos e abrir as minhas cortinas velhas, não só palavras, mas sementes, que possam germinar em cada ventre, e dar luz ao sagrado em cada cena.

Que Dionísio esteja convosco!

Teatralmente,

Fábio Rocha Pina.

 

 

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