19 de agosto – Dia do Ator?
Dia do Ator?
por Fábio Rocha Pina
Não sou um cara apegado a datas comemorativas. sempre fui avesso ao dia das mães, dia da pátria, dia da samambaia amarela de galho torto. É muita data comemorativa, chega a me irritar. Todo tolo ou santo tem o seu dia, perdeu a graça. Sem falar do apelo comercial da coisa, acho um tanto quanto infantil, escolar, fazer de conta que este dia é realmente importante. Gosto sim dos motivos ocultos destas datas, aqueles que poucos se atentam à saber, antes de dizer um “feliz isso”, ” feliz aquilo”, “presente pra você”.
Hoje, dia 19 de agosto, as redes sociais estão sendo bombardeadas pelo tal “Dia do Ator”. Recebi uma centena de e-mails, mensagens de parabéns e felicitações. Uma destas me dizia que achava justo os atores terem o seu dia, afinal todos tem. Secretária, solteiro, sogra, amigo, vizinho, até mesmo o soldado desconhecido, que aliás, nunca foi devidamente cumprimentado, tem o seu dia. Por isso, me disse, parabéns!
Tem sido um dia estranho. Descobri que as pessoas aprenderam a parabenizar assim como aprenderam a aplaudir. Assim como o aplauso forçado ao fim daquele péssimo espetáculo, as pessoas parabenizam por educação, por cordialidade, convenção, mas não tem a mínima ideia do que que é ser ator. Ou, ser atriz! Por que me parece que o dia é somente do ator. E não me venha dizer que é um termo genérico, que também inclui a atriz. Não, parece ser somente do ator. E confesso, me senti um pouco constrangido, não encontrei até agora uma resposta para estas abordagens tão estranhas.
Passeando por estas mesmas redes sociais, de conteúdo não grande maioria superficial, recebi em uma delas algumas palavras que me fizeram compreender que somente um ator compreende o seu ofício, e pode dar graças a outro ator.
Certo dia perguntaram a um profissional de teatro no meio da rua:
Por quê que você pensa que o teatro pode ajudá-lo a viver,
dizer e fazer tudo o que é importante e não faz outra coisa?
Ao que foi respondido:
Eu sou um homem de teatro!
Almir de Amorim
Que bom ler estas palavras Caríssimo Almir! Salvaram “meu dia”.
Sou um homem de teatro, e não acredito que este dia seja realmente importante para nós atores. Aliás, é contraditório, dar um dia ao ator, afinal o teatro não está preso ao tempo. E não quero ser parabenizado por ser ator, não é meu mérito, é minha vida. Assim como não subo ao palco para ser aplaudido, e sim porque sou um homem de teatro.
Na verdade não tive tempo para pensar sobre isto. Trouxe aos caros colegas apenas um sentimento um tanto quanto infantil, escolar talvez. Sou um ator aprendiz. Mas deixo além das minhas palavras soltas, estas outras, que dizem exatamente o que nós atores gostaríamos de ouvir, hoje e todos os dias, sendo dedicados a nós ou não.
O Ator
Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o bastante para fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave no qual ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu em sua vida.
Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos nos quais não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e os autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.
Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele, como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem tem. E amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado. Eu amo o ator que se empresta inteiro para expor para a platéia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de que seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor, que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor. Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos – é a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica. (1986)